Ontem, debaixo de vergastadas de chuva diluviana, ZD teve oportunidade de ouvir com alguma atenção um programa que se eleva da mediania radiofónica: Pessoal e Transmissível na TSF. É verdade, ZD não se limita a ouvir a informação desportiva e o incontornável Bancada Central.
O convidado foi António Lobo Antunes, voz maior do romance português do final do século XX e deste século XXI. Num programa extremamente fluido, Lobo Antunes desconstruiu a imagem de escritor sorumbático, misantropo. Revelando uma tranquilidade conquistada, instalou-se no cadeirão e deixou-se enlear por uma conversa interessante e inteligente (e a conjugação destes dois adjectivos é deveras problemática).
Um momento apenas seria suficiente para justificar este programa: perspectivando a integração de autores contemporâneos na história da literatura, Lobo Antunes recorreu a um provérbio húngaro, do rato que afirma que tudo acrescenta, enquanto mija para o mar.
Este sentido de humor fez com que ZD relembrasse Agustina Bessa-Luís, também ela senhora que possui um cortante humor, o que não será de estranhar: Agustina e António têm mijado insistentemente para o oceano Atlântico.
2006 não se tem revelado grande amigo dos cinéfilos e, todavia, ZD regressou à sala de cinema. Desavindo com a oferta das nossas salas de cinema, incompatibilizado com os proibitivos preços de uma sessão de cinema, agastado com a medíocre qualidade das estreias semana após semana, ZD regressou aliciado pelo regresso do mestre Scorsese.
Um mestre é um artífice cuja competência é inatacável. Scorsese não possuirá um percurso imaculado porque o seu cinema procura uma redenção que porventura se revela inatingível. No entanto, considerando o cinema americano, Scorsese será um dos mestres que sobrevive no século XXI.
Entre os inimigos dos grandes estúdios, Scorsese construiu uma obra verdadeiramente relevante e se Gangs de Nova Iorque e O Aviador foram filmes mais acomodados, ancorados em magníficos planos, mas menos cortantes na exploração das personagens e dos ambientes(à parte Daniel Day Lewis como Billy The Butcher), Entre Inimigos reencontra uma energia, uma vitalidade que vem do âmago da sua obra.
O novo filme de Scorsese centra-se na relação ambígua entre as forças da ordem e a máfia de Boston. Leonardo Di Caprio e Matt Damon interpretam as peças centrais de um puzzle inquietante, um polícia infiltrado no seio da máfia, um mafioso infiltrado no seio da polícia de Boston. No entanto, o filme respira abundantemente para além das duas ratazanas, dissolve-se num intrincado argumento onde surge um conjunto notável de personagens (Jack Nicholson e Mark Whalberg brilhantes).
Com uma banda sonora scorseseana (o que implica sempre revisitar os clássicos - Stones a abrir) e uma sequência final delirante, Entre Inimigos é justificação maior para uma reconciliação com a sala de cinema.
Quanto ao dildo, vejam o filme (se alguém se sentar à vossa frente com uma gabardina, desconfiem).
Novembro de 2006: ZD não resistiu, sucumbiu perante a febre do Euromilhões.
A palavra milionário, os prémios com quantias para além da compreensão microeconómica de ZD, um futuro sem preocupações com o saldo bancário alicerçaram a aposta. Os magros quatro euros investidos poderão denotar uma certa indiferença, todavia neste caso funciona a regra da proporcionalidade invertida: o investimento é inversamente proporcional à vontade de amealhar o primeiro prémio.
Convicto que no sábado irá chorar amargamente os quatro euros perdidos, ZD no dia de todos os santos decidiu sondar a roda da fortuna, antes de beber uma imperial e recusar uns burriés.