Num país de comentadores encartados da coisa futebolística, perante um resultado de 6-1, como o de ontem, pessoas inteligentes tenderiam a relegar para um plano secundaríssimo a arbitragem. No entanto, é de Portugal que falamos, um país de rafeiros nas palavras do presidente do Nacional, e, quando se aborda o tema da bola, a obtusa clubite inquina o debate.
Parece justo que, perante um percurso entusiasmante, se reconhecesse ao Benfica de Jorge Jesus uma qualidade inaudita há longo tempo. O conjunto de goleadas, independentemente dos resultados futuros, não será argumento despiciendo na celebração da equipa com maior talento ofensivo dos últimos anos na liga portuguesa.
Por outro lado, adversários e comentadores, com a perspicácia de um Guilherme Aguiar, insistem no inferno da Luz, na pressão sobre os homens do apito, no túnel, nas câmaras. Enfim, aprenda-se o dialecto machadês, pois um vintém será sempre um vintém e uma meia-dúzia será sempre uma meia-dúzia.
Acabado de chegar da Madchester, Carlos Queiroz prometeu renovar a selecção nacional e, nesta funesta campanha de apuramento para o Mundial 2010, cumpriu: renovou o sofrimento dos portugueses que seguem com um mínimo de interesse as andanças da equipa nacional. Com Cristiano Ronaldo ou sem Cristiano Ronaldo, a mediania (eufemismo de mediocridade) competitiva da nossa selecção une o país na crença de sucessivos milagres que levarão Portugal à África do Sul.
Poucas dúvidas restarão sobre a incapacidade de Queiroz para solucionar os problemas herdados da era Scolari (época de algum briho que continha já em si a semente da decadência), nomeadamente o guarda-redes (Eduardo prossegue a linhagem de guarda-redes medíocres na selecção), o defesa-esquerdo (a inconsequência de Paulo Ferreira, Duda e Miguel Veloso), o ataque (a ideia de renovação de Queiroz passa por Liedson, o melhor avançado brasileiro a actuar na liga portuguesa, que esperou até aos 30 ser convocado para a selecção brasileira e aos 31 concedeu aumentar o relevo do sotaque brasileiro na portuguesa), uma ideia de jogo que não se limite às correrias de Bosingwa e Cristiano Ronaldo ou aos pormenores de Deco.
Duvidoso também será o futuro de uma selecção deprimida de um país deprimido com um seleccionador que nos deprime. No entanto, já dobrámos o Cabo das Tormentas e como diz o diabo vicentino:
Tomarês um par de remos,
veremos como remais
Dizem que a originalidade se perdeu nos séculos e tudo nos dias que correm é repetição («a única diferença está em que o Agamémnom anda hoje de automóvel» - escreveu Augusto Abelaira em Outrora Agora).
Elisa Ferreira recuperou, na campanha para as autárquicas, o tema das gamelas e o povo, que já lhe havia consentido uma (e ainda por cima europeia), sabiamente não lhe permitiu uma segunda gamela (com vista para o Douro). A adopção de metáforas porcinas pode indiciar algum esgotamento do discurso político, mas estas, sem dúvida, assentam que nem uma luva à classe.
De extraordinária vitória em extraordinária vitória, o nosso extraordinário e reeleito primeiro ministro articula a palavra diálogo como se não houvesse amanhã e já descobriu que it takes two to tango. Talvez não seja tarde para o país, mas para o engenheiro será com certeza, pois, como diz o povo, burro velho não aprende línguas.