Antecedendo o bulício da última semana de Dezembro, uma proposta de factos mais ou menos irrelevantes deste ano.
Milhares de quilómetros separam Kentucky, nos Estados Unidos, de Glasgow, na Escócia, porém, na geografia musical de ZD, os álbuns Beware, de Bonnie Prince Billy, e My Maudlin Career, dos Camera Obscura, ganharam particular relevo neste ano de 2009 e, na sua plangência (uma feita do desamparo de versos como I want to be your only friend / is that scary, outra imersa numa impossibilidade de uma espécie de felicidade amorosa), aproximaram-se. Se a voz de Bonnie Prince Billy, numa obra que respira um espaço que resiste à corrupção do tempo, acompanha ZD há algum tempo, a voz de Tracyanne dos Camera Obscura surgiu numa versão turvamente iluminada (portanto glasweguiana) de Super Trouper dos Abba que ZD ouviu já na parte final deste ano.
Nas imediações de Bonnie Prince Billy, 2009 trouxe-nos Sometimes I wish we were an eagle, de Bill Callahan - e é reconhecido que a águia plana a grandes alturas - e Wilco (the album), dos Wilco, dois novos capítulos de obras maiores do século XXI.
Segue-se o que podemos considerar verdadeiro serviço público - ligações para o melhor desta segunda parte da colheita de 2009:
http://www.youtube.com/watch?v=PxQuH910xc4
http://www.youtube.com/watch?v=1qqpWhRV7oM&feature=PlayList&p=70DF8ADE53C610FE&index=0
http://www.youtube.com/watch?v=Gv7nJXQoqFo&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=sifqGTzLGck&feature=related
P.S. Esta semana ZD teve oportunidade de finalmente se confrontar com Los Abrazos Rotos, último tomo da obra de Almodovar. Também aqui o cinema procura o seu reflexo e Penélope Cruz, larger than life como em Vicky Cristina Barcelona, seduz. Acrescente-se à primeira parte da colheita.
Em França, contam a estória que se segue:
O senhor De La Main tem dois filhos. Quais são os nomes dos seus filhos?
O Thierry De La Main e o Henry De La Main.
Se o mundial de futebol de 2010 prometia ser o mundial de África, o França- Irlanda do play-off de apuramento transfigurou-o no mundial da mão de Thierry Henry (no rasto da mão de Deus e da injustamente esquecida mão de Vata), sucedendo ao mundial da cabeça do Zidane. Portanto, o chauvinismo francês insiste em ofuscar os anfitriões dos mundiais, impingindo-nos o palhaço Domenech e a sua câmara de filmar imaginária. No grupo A, ZD é adepto fervoroso da África do Sul, do México e do Uruguai.
Quanto ao grupo G, dominado pelo duelo fratricida Portugal-Brasil (com os filhos mal-amados Deco, Pepe e Liedson na liça) e assessorado pelo Marfim da Costa (a Coreia do Norte será mais forte na corrida ao armamento nuclear do que no futebol), ZD considera a hipótese da tripla.
Iniciando o périplo desta colheita pelos filmes, apetece dizer que, perante a envergadura de Gran Torino, de Eastwood, e de Inglourious Basterds, de Tarantino, o que sobra de 2009 é paisagem.
Gran Torino e Inglourious Basterds, inscrevendo-se nas obras de dois artesãos maiores do cinema norte-americano, habitam o século XXI e são habitados pelo século XX. Cinema que se dobra sobre si mesmo, com um fluir crepuscular que desagua nos gestos sacrificiais - o corpo de Kowalski crivado de balas, a película incendiada - e que se reinventa como redenção (de novo Kowalski), como sedução (o magnífico Hans Landa), como linguagem.
Uma breve nota de rodapé para mais dois filmes: Vicky Cristina Barcelona, de Woody Allen, aprazível ménage à trois por terras ibéricas (também ZD invejou as companhias de Javier Bardem), e Public Enemies, de Michael Mann, inspirado também por uma pulsão crepuscular.