O aclamado Sangue do meu sangue, de João Canijo, apenas surgiu ontem na sala de ZD, porém, este atraso e as trinta e duas polegadas do ecrã não diminuíram o golpe sentido.
Respirando cinema - a memorável sequência inicial, que nos faz descer do céu ao inferno de betão do subúrbio, não deixa dúvidas -, o filme de João Canijo bebe a essência da tragédia clássica. Perseguindo o movimento desprovido de sentido das personagens, Sangue do meu sangue constrói-se nos interstícios de vidas à deriva, dos gritos dos vizinhos, de conversas paralelas. Como em Os Maias, o incesto constitui-se como metáfora de uma decadência humana irredutível e o gesto sacrificial da tia (perturbante o desempenho de Anabela Moreira e extremamente perturbante a crueza sexual do clímax do filme), contrariamente ao Kowalski de Gran Torino, não permite uma saída, porque, relembre-se, se trata de uma tragédia.