Quarta-feira, 18 de Dezembro de 2013
Da desonra
18 de dezembro é mais um dia sombrio nesta noite que parece não ter fim na margem do Atlântico. Crato é o rosto de uma burla, de um ludíbrio. A Prova de Avaliação de Professores é mais uma evidência que o único critério que rege o ministério da educação e o governo é o extermínio da escola pública enquanto projeto de uma sociedade que se revê num sistema educativo que promove a igualdade de oportunidades e a substituição deste por um investimento do erário público no negócio privado de amigos e conhecidos que vão assegurar nos colégios a manutenção do statu quo de uma pseudoelite que é responsável pela ruína do nosso país. A necessidade de avaliar professores coloca em causa o ensino superior e todos os licenciados - os engenheiros que constroem pontes, os médicos que nos operam, os advogados e as suas leis - e resulta da cobardia de um governo que só afronta os cidadãos mais fragilizados.
Colheita de 2013 e uma aberração bicéfala
Nós respiramos memória e 2013 deve ser lembrado.
- Comecei com «Hawk», segui por «Blues funeral», desviei-me por «Black pudding» e começo agora a espreitar «Imitations». Mark Lanegan navega por águas sombrias e nós mergulhamos. Ouçam «Phantasmagoria blues» (https://www.youtube.com/watch?v=LoeWfAvGmko) ou «War memorial» (https://www.youtube.com/watch?v=X1U7O4xF0ZM) e abracem a sombra.
- Na minha cinefilia reinou «Django libertado» e também Tarantino instalou a sua câmara cinefágica em território sombrio. De novo a redenção (na pele do brilhante Christoph Waltz) insinua-se na teia montada entre ficção e história.
- Na colheita literária o ofício reabriu-me as páginas da poesia de Campos, que mergulha a perplexidade do ser numa provocação imagética. Na senda narrativa percorro as deliciosas páginas de «Mau tempo no canal», de Vitorino Nemésio - e a intempérie agravou-se no tempo que vivemos - e em «A liberdade de pátio», de Mário de Carvalho, percebi que o surreal é a luz que ilumina a realidade e confirmei a voz maior deste século na nossa literatura.
- Passos Coelho e Portas formam uma aberração bicéfala que insiste em sangrar um país exangue e o remorso de participar enquanto cidadão nesta experiência de empobrecimento de uma sociedade, que acriticamente ainda vislumbra a Europa como tábua de salvação, incomoda. Este governo testemunha o masoquismo do povo lusitano, que suportou a incompetência, o delírio e a arrogância de Sócrates e agora, num registo que supera a filosofia estoica, atura a incompetência (a repetição deve-se à falta de sinónimo conveniente), o oportunismo e a falta de ética de um governo que entretece uma teia que garanta os interesses dos senhores que os colocaram no poleiro para além da atual governação.